Paola de Freitas*, de 35 anos, terminou de cumprir sua pena há quatro anos, mas as marcas do encarceramento permaneceram quando ela conquistou a liberdade. Durante a abertura do seminário “No Lugar do Outro”, na tarde desta quinta-feira (23/5), em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, Paola contou que buscou o Programa de Inclusão Social de Egressos do Sistema Prisional (PrEsp), desenvolvido pela Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp), em um momento que já estava desacreditada, mas se surpreendeu com a forma como foi acolhida e acompanhada.
Promovido pela Sesp, por meio se sua Subsecretaria de Políticas de Prevenção à Criminalidade, o encontro “No Lugar do Outro” aproximou os integrantes da rede de atendimento aos egressos do município, da realidade vivida e sentida pelo público atendido, para que esses possam pensar formas de romper os rótulos que ex-detentos e seus familiares vivenciam em diversas esferas sociais. O evento reuniu, durante toda a tarde, cerca de 70 pessoas, incluindo membros da sociedade civil, o público atendido pelo programa, profissionais interessados, instituições parceiras, como a rede de proteção social e o sistema judiciário, e acadêmicos. A abertura contou com apresentações das oficinas de percussão e dança afro do programa de controle de homicídios Fica Vivo! do Centro de Prevenção à Criminalidade de Nova Contagem.
O PrEsp auxilia no acesso a direitos sociais de homens e mulheres que retomam a vida em liberdade, promovendo condições para a inclusão social. Para isso, articula parcerias junto a entidades públicas e privadas, sem fins lucrativos, proporcionando o acesso a direitos fundamentais, como obtenção de documentos, assistência social, defensoria pública, tratamento para dependência química, etc. Além disso, o programa também possui um processo de mapeamento contínuo de oportunidades, apontando vagas de cursos profissionalizantes e qualificação profissional.
“Precisamos da rede de parceiros para acolher as demandas apresentadas pelos egressos e seus familiares, atendidos nos Centro de Prevenção Social à Criminalidade do Estado. Uma rede fortalecida, e que compreenda as demandas do nosso público, é de fundamental importância para o desenvolvimento do trabalho do PrEsp”, ressaltou a diretoria de Inclusão Social de Egressos do Sistema Prisional, Fabiana Dias.
A gestora do Centro de Alternativas Penais e Inclusão de Egressos do Sistema Prisional de Contagem, Fabiane Ferreira Barbosa, acredita que a participação dos egressos no debate para o fortalecimento da política é essencial, já que eles fazem parte do processo. “Precisamos entender quais as dificuldades que essas pessoas passam para ver a melhor forma de atendê-los. É fundamental ter esse olhar do que eles sentem na pele”, explicou.
No Lugar do Outro
Negro, morador do bairro Taquaril, na Região Leste de Belo Horizonte, e ex-detento, Pablo Ribeiro*, de 23 anos, também sabe bem os estigmas que esses rótulos representam. Ele foi convidado a contar sobre a realidade comunitária que vivencia ao público presente no encontro. "A vida nunca foi fácil, meu pai não foi presente e minha mãe sempre batalhou muito, por tudo. Eu não tive muitas oportunidades na vida. Na minha adolescência, quem segurava as contas de casa era um dos meus quatro irmãos, que era pizzaiolo, mas cometeu suicídio inexplicavelmente, perto dos meus 18 anos. Isso me desestruturou, não encontrei oportunidades de emprego e acabei indo para o crime”, relatou. “Hoje estou desempregado. Ainda não voltei para o crime e não quero voltar, mas se não houver abertura de portas, fica complicado. A maioria não está traficando por escolha, mas por falta de opção”, compartilhou Pablo com a rede.
O professor de psicologia Eduardo Cruz acredita que o PrEsp é um programa que reconhece a humanidade dos atendidos. “Um Pablo é uma vida que tem muito sentido. Quando fazemos esta entrega e trabalhamos a empatia, estamos construindo outro modo de relação com a sociedade. E, se não desenvolvermos a capacidade de nos colocar no lugar do outro, desenvolveremos políticas públicas frias e ineficientes”, ponderou.
Egresso, Pedro Siqueira*, de 38 anos, conta que está tentando voltar a ter uma vida como um cidadão comum, apesar da dificuldade. “Saímos meio perdidos, sem saber o que fazer, após esta triste experiência. Está difícil para todo mundo, e a passagem pelo sistema prisional é um problema a mais”, disse. “O programa me encaminhou para a Defensoria Pública, psicóloga e assistente social. Vou pedir para que me auxiliem no encaminhamento para uma capacitação profissional, para me qualificar mais”, completou.
Também presente no encontro em Contagem, o analista da Vara de Execuções Penais da Defensoria Pública Wiler Castro lida diariamente com o público alvo do programa e conta que o seminário agregou mais conhecimento sobre o que os ex-detentos vivem no dia a dia. “Nossas tratativas são com relação à vida jurídica de egressos ou sentenciados, e ter essa visão humana é muito enriquecedor”.
* Nomes fictícios para preservar a identidade dos egressos.
Texto e fotos: Dayana Silva