driOs livros têm transportado as presas do Presídio de Vespasiano I para outros lugares, mas sem sair das suas celas. É que as detentas estão participando de um projeto de incentivo à leitura em parceria com o Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG). “A gente viaja, você entra na história e vai longe, faz bem para o cérebro, para a autoestima, é tudo maravilhoso”, conta Graziele Ruela Batista, 39 anos. O projeto Virando a Página conta com a colaboração de professores do Departamento de Ciências Sociais e Filosofia e do Departamento de Linguagem e Tecnologia, e alunos do Departamento de Eletrônica e Biomédica da instituição. Eles elaboraram um questionamento simples sobre as obras lidas, para demonstrar o aproveitamento da leitura, e realizaram campanhas de arrecadação de livros.

Segundo a diretora de Atendimento e Ressocialização da unidade prisional, Andrea Castro, o projeto foi pensado como uma alternativa para minimizar os impactos do isolamento provocado pela pandemia na vida das presas. “A leitura tem proporcionado diversos retornos para elas, tanto social, emocional e até mesmo em suas posturas. Elas passaram a ter uma melhor relação com as pessoas ao redor. Além de trazer conhecimento e cultura, podem por meio da leitura extravasar seus sentimentos, como nos casos de livros de autoajuda. Eles trazem um conforto e diminuem a ansiedade".

No momento, dez presas participam da iniciativa, que não tem caráter jurídico, apenas educacional e cultural. Qualquer presa pode solicitar a participação a qualquer momento, bastando apenas demonstrar interesse e comunicar à pedagoga da unidade. Foram doadas mais de 100 obras literárias para o acervo da biblioteca do presídio. Os livros estão disponíveis na biblioteca fixa e na versão itinerante, que consiste em um carrinho com os exemplares.

A detenta Etiene da Silva é quem cuida dos empréstimos dos livros, e duas vezes por semana vai de cela em cela com a biblioteca itinerante oferecendo livros para as presas da unidade. Junto com os exemplares são disponibilizados os questionários para elaboração da resenha. O prazo de leitura e entrega do formulário é de uma semana, podendo ser prorrogado por mais sete dias. “Tudo é um degrau na vida para você melhorar, para você não voltar para trás. Eu sinto que lendo vou só subindo os degraus. Esse hábito da leitura eu ganhei aqui no presídio, já li 10 livros desde que entrei. A cada dia eu conheço novas palavras, escrevo melhor e também ajudo minhas colegas de cela”, afirma Graziele.

Repercussão

A professora de Sociologia do Cefet-MG, Roseane Lisboa, é a idealizadora e coordenadora do projeto. Ela conta que a ideia inicial era que o trabalho fosse feito presencialmente, com oficinas e correções de resenhas, mas com a pandemia a iniciativa sofreu alterações momentâneas. O Virando a Página surgiu para manter de alguma forma a parceria entre o presídio e a instituição, e a intenção é que no futuro alunos e professores realizem com frequência atividades na unidade prisional.

Roseane também destaca a atenção e o apoio que o projeto tem ganhado. “Muitas pessoas interessadas na iniciativa entraram em contato conosco, depois que divulgamos o projeto no nosso site. Seja com doações de livros ou palavras de apoio, o que nos faz vislumbrar uma possibilidade de crescimento para atender mais presas e presos”. Um dos objetivos a longo prazo é levar o projeto para mais unidades prisionais da Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Para a professora, que já trabalha há alguns anos com projetos no sistema prisional, ter essa repercussão e reconhecimento por um trabalho executado a motiva ainda mais. “É uma ação tão maravilhosa, uma forma de resgatar essas presas e trabalhar a ressocialização, tanto para elas, quanto para as pessoas aqui fora. Porque estamos proporcionando uma nova visão do que é uma pessoa privada de liberdade, diminuindo essa visão de superencarceramento. Além de prepararmos elas para o convívio em sociedade”.

Acolhimento afetivo

A colaboração do Cefet-MG não está só na parte educacional. Os alunos e professores envolvidos também fizeram uma arrecadação de cartas motivacionais, que foram enviadas para as presas do Presídio de Vespasiano. As correspondências provocaram lágrimas e sorrisos nas detentas, em especial naquelas que não têm contato com familiares.

Todas as presas da unidade prisional receberam as cartas, que traziam mensagens acolhedoras, de empoderamento feminino e acolhimento afetivo. De acordo com a diretora de Atendimento do presídio, os textos trouxeram um amparo emocional. “Esta ação proporcionou um retorno muito positivo por parte das custodiadas, que se sentiram valorizadas, respeitadas e amparadas”.

Em uma carta de agradecimento, uma presa contou como aquelas palavras estavam amenizando muito a saudade e todo o momento que ela enfrenta, fazendo com que se sentisse valorizada e sabendo que havia pessoas pensando na situação dela.

Texto: Fernanda de Paula

Fotos: Divulgação Ascom - Sejusp