Seminário realizado pela Sejusp MG, por meio da Aesp, discute a urgência de se desvendar a guerra de narrativas antes que o conflito real se torne irreversível
Em um mundo onde a verdade é a primeira vítima da guerra, o seminário Segurança e Defesa – A Guerra de Narrativas e os Impactos na Sociedade, realizado em Belo Horizonte pela Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp-MG), por meio da Academia Estadual de Segurança Pública (AESP), lançou luz sobre uma ameaça silenciosa que se infiltra no Brasil: o terrorismo e sua aliança perversa com o crime organizado.

Na última semana, especialistas, como o major Rafael Rozenszajn, porta-voz das Forças de Defesa de Israel (IDF), o subsecretário de Integração da Segurança Pública da Sejusp MG, Christian Vianna, o procurador da República, Lucas Gualtieri, e um palestrante PhD em Relações Internacionais, que preferiu o anonimato devido a questões de segurança, expuseram como narrativas distorcidas moldam conflitos, financiam extremismos e desafiam a segurança nacional. “A guerra de narrativas não é ficção: ela decide quem vence antes do confronto”, alertou Marco Matos, diretor da Aesp, na abertura do evento.

Negamos o problema até ele nos atingir
Marco Matos abriu o seminário com um alerta contundente: “O terrorismo está presente em solo brasileiro, muito mais próximo e ativo do que imaginamos.” Ele descreveu a guerra informacional como um conflito que não usa armas convencionais, mas desinformação e manipulação para conquistar mentes e corações. No Rio de Janeiro, por exemplo, criminosos encenaram uma narrativa brutal após uma operação policial: “Corpos de narcoterroristas, mortos em combate com fuzis e trajes táticos, foram despidos, suas armas removidas, e fotografados apenas de cuecas, alinhados no chão, para afirmar que a polícia executou inocentes”, relatou Matos. Essa encenação visa inflamar o ódio contra a polícia, recrutar apoio popular e garantir impunidade, provando que a mentira pode ser mais poderosa que a verdade.

O Brasil, por décadas, cultivou a ilusão de ser imune ao terrorismo. Essa narrativa ingênua, como destacou Christian Vianna, é uma armadilha. “O Hezbollah opera no Brasil com sofisticação empresarial, como o PCC ou o Comando Vermelho, usando nosso território como hub para financiamento, recrutamento e logística global”, afirmou.
A Operação Trapiche, deflagrada em 2023 pela Polícia Federal, em Belo Horizonte, revelou essa realidade ao desmantelar uma célula do Hezbollah que planejava ataques contra alvos judaicos. “Pela primeira vez, um documento judicial brasileiro reconheceu o Hezbollah como grupo terrorista, rompendo 30 anos de negação”, celebrou Lucas Gualtieri, procurador da República.

Segundo o Procurador, a célula terrorista usava tabacarias no Mercado Central e outros bairros de Belo Horizonte, e em cidades como São Paulo e Brasília para lavar dinheiro, financiando viagens de recrutas ao Líbano. Um dos três investigados pela Trapiche se tornou réu pelos crimes descobertos na primeira fase da operação. Condenado inicialmente a 16 anos, teve a pena reduzida a 6 pelo TRF-6, um reflexo da hesitação judicial em enquadrar atos preparatórios como terrorismo. “Essa redução é um sinal da nossa negação estratégica. Negamos o problema até ele nos atingir”, criticou Gualtieri, que recorreu ao STJ para reverter a decisão.
Tentáculos
O Hezbollah, segundo Christian Vianna, opera como uma multinacional do crime, com tentáculos em Foz do Iguaçu, São Paulo, Curitiba e até Belo Horizonte. Desde os anos 1980, infiltra-se em comunidades libanesas xiitas, explorando vulnerabilidades sociais e desenvolvendo atividades de doutrinação em escolas, mesquitas e grupos escoteiros, por exemplo. O grupo terrorista islâmico desenvolve parcerias com o crime organizado em diversos países da América Latina. “O Hezbollah é um ator global, integrado a cartéis mexicanos e às FARC. O Comando Vermelho, por sua vez, aprendeu táticas terroristas com as FARC, controlando áreas em regiões como a do Rio Javari, no Amazonas”, alertou.

Enquanto o Hezbollah opera na esfera religiosa, o extremismo ideológico ganha terreno no Brasil, como alerta um palestrante especialista em Relações Internacionais. “Grupos como a Atomwaffen Division Brasil e o Iron March, neonazistas, têm forte presença, com o Brasil já sendo o segundo maior polo de membros deste último”, afirmou. Esses movimentos, que pregam nacionalismo fascista, separatismo, aceleracionismo e até eco-anarquismo, estão em todos os estados, com maior concentração no Sul e no Nordeste. Um mapeamento para a ONU identificou 85 grupos ativos.
A radicalização é alimentada online, em jogos como Roblox, ou em espaços como clubes de airsoft e MMA. “O recrutamento segue um funil gamificado, com tarefas que vão de panfletagem a agressões contra minorias”, explicou o palestrante. Ataques escolares, com 30-50% de motivação extremista, explodiram em 2025, com pelo menos seis casos envolvendo jovens de 10 a 17 anos. O caso de Aracruz (ES), julgado como terrorismo, é um alerta vermelho. “Não é uma possibilidade futura. É uma realidade”, reforçou.
O Brasil paga caro por sua hesitação. A Tríplice Fronteira, chamada de “Nações Unidas do crime”, é um hub onde o Hezbollah se mistura a facções locais. A ausência de uma lista nacional de organizações terroristas e a falta de cooperação regional agravam a vulnerabilidade. “Argentina e Paraguai já designaram o Hezbollah e o PCC como terroristas. O Brasil resiste, isolado”, criticou Gualtieri.

No cenário internacional, o major Rafael Rozenszajn, porta-voz da IDF, destacou como o Hamas manipula narrativas para demonizar Israel. “A guerra de narrativas é desleal porque o Hamas usa a mentira como arma”, afirmou. Um exemplo é o caso do hospital Al-Ahli, em 2023, quando o grupo acusou Israel de um bombardeio que matou centenas. A mídia global, incluindo a brasileira, ecoou a narrativa, mas horas depois Israel comprovou que um míssil da Jihad Islâmica causou a explosão.
Segundo o major, no Brasil, o antissemitismo cresceu 400% em dois anos, alimentado por narrativas enviesadas. “Quando acusam Israel de genocídio, enfraquecem nossa resiliência e fortalecem o inimigo”, alertou.

Na Tríplice Fronteira entre Argentina, Brasil e Paraguai, membros chave do Hezbollah, ligados a lavagem de dinheiro, falsidade ideológica, tráfico de cocaína e atentados terroristas na Argentina (AMIA, 1994), ainda que condenados por crimes de tráfico de cocaína e falsidade ideológica no Brasil e Paraguai, escaparam de condenações por terrorismo no Brasil em razão de lacunas legais. A Lei 13.260/2016, que regula o terrorismo, exige provas diretas de atos terroristas, dificultando punir financiamento disfarçado em ações sociais.
De uma forma geral, os palestrantes foram unânimes: é hora de agir. Propostas como a prevenção financeira, formação especializada e uma lista nacional de grupos terroristas; mapeando clãs e redes sociais, além de monitoramento de bens culturais traficados, a criação de bancos de dados unificados e programas de desradicalização, foram apresentadas.

Quando a sociedade se volta contra sua polícia por uma mentira, o crime vence sem disparar um tiro
O seminário deixa um alerta: enquanto hesitamos em nomear nossos inimigos, eles nos escolhem como alvos. “O Hezbollah, o PCC, CV e o extremismo ideológico não são ficção. São uma realidade que exige coragem e integração”, concluiu Christian Vianna. Gualtieri reforça: “A Operação Trapiche deve ser um divisor de águas. Não podemos esperar um 11 de setembro brasileiro.” Rozenszajn apela: “Que a verdade seja mais forte que a propaganda.”
Marco Matos, diretor da Aesp, alerta: “quando a sociedade se volta contra sua polícia por uma mentira, o crime vence sem disparar um tiro.” Que este debate inspire ação, porque o inimigo já nos nomeou.

Texto: Ana Paula Drumond Guerra
Fotos: Tiago Ciccarini e Ana Paula Drumond Guerra/Ascom Sejusp